Para falar um pouco sobre a história e os projetos sociais realizados pelo Malê Debalê, o Traficante de Informação conversou com um dos fundadores e vice-presidente do bloco, Miguel Arcanjo.
Léo Marques - Como surgiu o Malê Debalê?
Miguel Arcanjo - A primeira proposta era criar uma entidade dentro de Itapuã que não só representasse o bairro no carnaval de Salvador, mas também como se fosse um agente de ação do movimento negro na Bahia. Aí começamos a juntar elementos físicos e culturais para criar a base para o surgimento, o fortalecimento e, conseqüentemente, a sobrevivência do Malê Debalê.
LM – Pelo Ilê Aiê ter sido o primeiro bloco afro, podemos dizer que influenciou o Malê?
MA - De uma certa forma sim. Nós já fazíamos parte de movimentos negros muito antes do Ilê Aiê. Havia muita influência americana dos panteras negras, o movimento Black Power e o soul music.
Mas nessa época também descobrimos que a metodologia e a prática americana não eram a do negro brasileiro. Então pegamos algumas coisas que ajudariam nesse fortalecimento porque nossa simbologia de resistência se resumia única e exclusivamente a Zumbi dos Palmares.
LM - Vocês têm um trabalho social em Itapuã. Fale um pouco sobre ele.
MA - As comunidades pobres, leia-se comunidades negras, são muito carentes. Mas quando a gente fala sobre carência, não é de produtos de consumo, é a de referências. É ter, por exemplo, uma pessoa ou um líder na comunidade à quem se espelhar.
No caso de Itapuã, nós nos tornamos a referência, embora nosso poder seja imensamente pequeno para desenvolver grandes ações comunitárias. Buscamos contribuições voluntárias de profissionais liberais, de outras ONGs e de órgãos do governo.
Não estamos lá para formar artistas. A responsabilidade maior é formar cidadãos e melhorar a auto-estima deles, incentivando-os a irem à luta.
LM - Mas como vocês colocam isso em prática?
MA - Nós temos um curso de percussão, dança e capoeira. Isso é o básico. Fora isso, fizemos convênios com a Secretaria Municipal de Educação (resgate cultural negro desenvolvido dentro da rede pública municipal de ensino) e com o CEFET (informática). Recentemente também demos andamento a um trabalho com a Secretaria de Combate a Pobreza, com apoio do Estado e com a UFBA, onde formamos profissionais de dança num curso de extensão. Buscamos outros convênios nacionais e internacionais.
LM - Me fale sobre o carnaval desse ano. Qual será o tema?
MA - Nós vamos levar a avenida um tema interessantíssimo: “Áurea, 120 anos, e nós?”. É um questionamento que fazemos sobre a abolição da escravatura. Vamos tentar mostrar que a escravidão até nossos dias é algo forjado e que poucos perceberam. Os negros foram simplesmente jogados na rua. Não sabiam ler, escrever, não tinham profissão, foram escravos sempre e só sabiam servir ao senhor. Nessa situação, era sempre explorado. A história foi se proliferando até chegar ao ponto em que chegamos atualmente. E aí a gente pergunta: a partir de quando essa lei vai começar a valer mesmo?
Apesar de ser um tema político, ninguém vai pra rua com cartazes e faixas. Dentro dessa festa vamos mandar o nosso recado de forma poética, colorida e linda.
LM - Como é escolhida a rainha do Malê Debalê?
MA - O Malê é o único bloco que escolhe a rainha e o rei também. É um trabalho feito com o mesmo galmour de quando eram eleitos os reis e rainhas africanos. É uma festa com essa mistura afro-latina-baiana. Temos 15 candidatas e 10 candidatos que são escolhidos na sede do Malê.
LM - Baseado nesse tema, como vocês imaginaram a fantasia?
MA - Nós temos o nosso artista plástico Ives Coalha, que faz a estamparia do tecido. São 15 alas. Cada uma fica com uma temática e desenvolve dentro da sua ala roupas características que estejam inseridas no contexto da mensagem que queremos passar.
LM - Quais serão os dias que o Malê desfila e onde?
MA - Vamos sair na sexta com o Malê e outras tribos. Nesse dia sai o pessoal das alas e da banda. É o dia da festa deles. No sábado e na segunda, o Malê é tradição. Vem completo, com suas alas, fantasias, banda percursiva, cantores, tudo como manda o figurino.
No domingo tem o Malêzinho de Itapuã. Pegamos a criançada e os adolescentes com quem desenvolvemos nosso trabalho social durante todo o ano, e os colocamos no bloco durante o domingo em Itapuã.
LM - Foi difícil conseguir patrocínio este ano?
MA - Patrocínio para bloco afro sempre foi uma coisa um tanto truncada. Ninguém se preocupa se um artista famoso pegou R$ 5 milhões, mas se incomodam se o Malê levar R$ 500 mil. Nós temos todo o trabalho social que já te disse aqui, mas na hora de transformar isso em patrocínio, não acontece. É como se nós fossemos os menores, quando nós somos os maiores.
A Petrobras vai dar esse ano R$ 1,2 milhão para os blocos do pólo de entidades negras. Malê, Ilê, Olodum, Muzenza, Cortejo Afro, Mocambi e Negroides. São sete entidades.
LM – Um milhão e duzentos mil reais para dividir entre sete blocos? Não é pouco, não?
MA - Exatamente. Só o carnaval do Malê Debalê está orçado em R$ 600 mil. Isso a gente doando praticamente 90% das fantasias, sendo que pagamos, assim como os outros artistas, os mesmo 70, 80 mil por um trio.
E ainda tem uma diferença. Enquanto a fantasia do Malê vem com pano trabalhado, todo pintado, com sandália e tudo o mais, custando individualmente R$ 50, um abadá custa R$ 10. Mesmo com todas essas diferenciações, o patrocínio chega primeiro lá.
LM - Então vocês estão insatisfeitos com o valor que chegou até vocês?
9 comentários:
Ótima entrevista, muito bem colocada! Realmente temos que valorizar mais as raízes de nossa cultura como os blocos Afros e apoiá-los cada vez mais em seus trabalhos culturais, educacionais e solidários. Trabalhos esses que deveriam ser feitos por nossos governantes, que quase nunca atendem as reais necessidades de uma comunidade.
Mais um baiano que encontro.. seja bem vindo ou diria eu: me acolhe aê.r.s..
Abçs,
Texto de hoje: SeR...
Visite e Comente... http://oavessodavida.blogspot.com/
O AveSSo dA ViDa - um blog onde os relatos são fictícios e, por vezes, bem reais...
Muito boa a entrevista leo!
Adoro vim aqui!
abs
Opa...
Entrevista espetacular!
Conheço esse cara, eu estudava junto com a filha dele em itapuã!
rsrsr já o Malê tocar muito!
E na lavagem de Itapuã então? A festa da baleia, os blocos!
Que saudade de salvador!
sou carioca e conheço o Malê há mais de vinte anos. quem me apresentou foi raimundo bujão, de itapuã. tudo era lindo, e forte. abraço, mara.
ola querido!
é muito complicado conferir título de primeiro, mais antigo ou unico em uma pesquisa.
gostaria de só chamar a atenção que cientificamente o malê não foi o mais antigo bloco afro, antes dele vem o ilê ayê, e o motivo inicial de criação do malê não foram causas de políticas negras e sim o desejo de ver o bairro de itupã representada no carnaval de salvador. dê uma olhada na ata de fundação do bloco. a consciência negra política foi apresentada depois.
O MALÊ É UM BLOCO QUE MERECE O RESPEITO MUNDIAL POR SE TRATAR UM BEM AO PATRIMÔNIO CULTURAL. É VERGONHOSO ESSA DIFICULDADE QUE CRIAM COM ENTIDADES FEITO O MALÊ NO MOMENTO QUE REDUZEM OS INCENTIVOS OU OS BLOQUEIAM. ESSE PAÍS NECESSITA, IMPLORA POR MUDANÇAS.!!!!!!! CONHEÇO UM POUCO DO TRABALHO DE MIGUEL ARCANJO E SEI QUE É 100% RESPEITÁVEL.
como faço para ter o cd com as musicas do malê.
florayldes@hotmail.com
Esse bloco é tudo de bom , gosto muito é nossa cultura , nossa raça.Gostaria muito de desfilar nesse bloco. Bijins tudo de bom
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