domingo, 23 de dezembro de 2007

“Uso porque gosto e me dá muito prazer” - Capítulo 5

Luana costuma caminhar bem cedo todas as manhãs, antes de o sol começar a queimar sua pele morena, fruto da união do pai negro e da mãe branca. A garota, vaidosa, não deixa a beleza de lado nem por um segundo, apesar de uns quilinhos a mais, motivo pelo qual se exercita todos os dias.

O suor ainda escorria em seu rosto quando ela decidiu parar numa praça, próximo ao local onde costuma caminhar. Sua respiração estava ofegante. O coração ainda batia forte devido ao ritmo acelerado dos últimos minutos. O ar que entrava pelos pulmões de Luana tinha que dividir espaço com a fumaça de alcatrão da cannabis, que invadia a traquéia e entupia os alvéolos – filtro natural dos pulmões.

Seus músculos, há pouco explorados, começavam a relaxar, e o pensamento, longe, viajava no tempo. Luana não acha que maconha faça mal. Para ela, o fato de ser uma erva “natural” exime a droga dos problemas que afetam a saúde física e mental, como maior incidência de infecção nas vias pulmonares, bronquite crônica e probabilidade de câncer. Quanto ao cigarro de tabaco, que fuma numa média de cinco vezes por dia, ela tem mais consciência. O entorpecente quase não lhe proporciona prazer, isso está fazendo com que diminua o consumo por conta própria. Essa vontade de diminuir o consumo de nicotina foi inspirada pelo handball, praticado duas vezes por semana.

No caminho de casa, Luana põe os óculos escuros para esconder os olhos ao longo do trajeto. Chegando ao apartamento, ela toma banho e deita na cama para estudar.

Depois de revisar as últimas anotações feitas na aula do dia anterior e de ler algum trecho da apostila, ela vai ao computador e passa o resto da manhã conversando com amigos através de um programa de mensagens instantâneas. As horas passam à espera do almoço, quer dizer, à espera da “sesta”. Costumeiramente, uma amiga liga para Luana quase todos os dias depois do meio-dia, chamando-a para fumar um “baseado”.

A tarde surge no relógio em busca da noite. Às 18 horas, ela já está pronta para ir a faculdade. Para compor o visual, Luana usa muita maquiagem no rosto, cabelos perfeitamente escovados e arrumados. No antebraço vai uma pulseira dourada grossa, com pedras transparentes. Coloca uma sandália de salto alto da mesma cor da pulseira, uma saia jeans um pouco acima dos joelhos, um cinto dourado e uma blusa branca com detalhes da cor do cinto. Na bolsa branca, além do estojo, com lápis, caneta e borracha, e da maquiagem, vão três cigarros de maconha, dentro do maço do cigarro de tabaco.

Luana é uma das poucas privilegiadas deste país. Ela está em mais da metade do curso de jornalismo de uma faculdade particular, graças ao salário dos pais. Pelos dados de 2006, do Ministério da Educação, o Brasil possui pouco mais de 4 milhões de jovens matriculados nas universidades. Essa quantidade fica ainda mais irrisória quando se contabiliza o número de jovens com idade ideal para estar no ensino superior, ou seja, entre 18 e 23 anos. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que esse número é de pouco mais de 20 milhões.

Fumar maconha e assistir à aula pode ser considerado um desafio pela ciência, já que a droga costuma ocasionar falta de atenção. Mas a ciência também explica que isso ocorre apenas quando se consome em doses altas. Consciente ou não disso, Luana costuma assistir às aulas após ter fumado doses baixas de marijuana, o suficiente para não “bater onda”, provocando apenas relaxamento e euforia. Para saber se o hábito a estava prejudicando, ela desenvolveu uma técnica. Toda vez que entra “fumada”, ela desenha uma estrela do lado da data da folha do caderno e, quando está em casa, compara com os escritos que não contêm o sinal. O que pôde perceber foi que sua mente ficava mais atenta e ágil para perguntas, aumentando sua participação na aula. Suas notas, pelo menos, não a deixam mentir. Ela costuma passar sempre direto, além de receber boas notas nos trabalhos da faculdade.

As teorias de Luana vão além. Ela acha que sua agilidade de raciocínio ao fumar maconha se repete em outras pessoas. “O que noto comigo, e com uma série de amigos que observei, é que o raciocínio fica mais rápido. Eu fico mais lerda na sala quando estou sem fumar”.

Não são apenas esses os efeitos percebidos por Luana. A criatividade também é melhorada. “Quando estou lúcida tenho várias idéias, mas elas não conseguem ser desenvolvidas, elas existem, mas não consigo externá-las. Já quando fumo maconha, me sinto mais criativa e com um estado de espírito muito melhor para produzir”.

Esse “auxílio” à criatividade não é apenas estimulado em trabalhos da faculdade ou na produção de matérias jornalísticas feitas para faculdade, mas também em provas. “Só consigo fazer prova onde precise desenvolver um raciocínio, se estiver muito ‘doida’, ‘fumada’. Nesses momentos, consigo ter um desempenho muito melhor do que quando estou sã”.

Mas usar maconha não é uma regra para todas as vezes em que faz uma avaliação. Ela reconhece que essa técnica não funciona bem na hora de fazer uma prova mais objetiva, em que é preciso memorizar certos conceitos. Nesses casos, sua memória recente se perde. Isso acontece pelo uso crônico da cannabis.

Na faculdade, ela usa maconha antes de entrar para assistir às aulas, no intervalo e depois, quando sai com os amigos de carro e vão fumar em Villas do Atlântico, local próximo à instituição onde estuda, na cidade de Lauro de Freitas. Desde os 17 anos, quando o consumo começou a aumentar, ela passou a usar a droga quase que diariamente, até chegar a um estágio em que fuma, no mínimo, três cigarros de maconha por dia. Houve épocas mais intensas que a atual, quando ela era acordada pelos amigos chamando-a para fumar na casa de alguém.


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//Continua no próximo capítulo

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

“Uso porque gosto e me dá muito prazer” - Capítulo 4


Os anos foram passando e a adolescente virou adulta. Com a adolescência se foi boa parte do medo que Luana tinha de ser flagrada. A convivência com usuários lhe rendia bons pontos para consumo sem que ninguém a perturbasse. A área em torno da Faculdade de Jornalismo, da Universidade Federal da Bahia, é um desses pontos. Na verdade, toda a UFBA é conhecida pelo seu ambiente tolerável com relação ao uso de substâncias psicoativas. Não se sabe se essa tolerância é por opção, já que nem a polícia militar nem a civil podem intervir na área, considerada patrimônio federal.

Confiando nessa “paz”, Luana, então com 20 anos, estava lá, sentada, na beira da calçada, apenas apertando o baseado. Acompanhando-a estavam dois amigos, um homem e uma mulher. A erva triturada dava trabalho para entrar no tubo feito com seda de papel. Era como uma arma antiga, daquelas em que se coloca a pólvora no cano e a vai pressionando com uma vara. No caso, o que fazia a pressão para juntar a massa num menor espaço possível era o palito de fósforo.

O local, rodeado por floresta densa, inspirava a atitude. Parecia que ela estava numa rua deserta, sem movimento, onde um ou outro carro passava, onde um ou outro segurança circulava. Era dia, mas as nuvens tapavam a luz do sol, o que dava ao lugar um ar ainda mais bucólico, com ventos suaves, como num fim de tarde de inverno.

O cigarro que Luana estava preparando não havia nem alcançado a boca, quando sua concentração foi interrompida por um segurança revoltado. Ele pedia para que a audaciosa garota e seus amigos se retirassem do campus. Parecia que aquela cena estava ocorrendo no local pela primeira vez.

“Vocês, por favor, se retirem da Universidade”, disse o segurança.

Luana levantou contrariada. Ela não via no segurança nenhuma jurisprudência para exigir que eles se retirassem. Pela lei, apenas um policial civil ou militar poderia detê-la. Esse era o principal motivo pelo qual milhares de estudantes costumam escolher o local para relaxar sob o prazer da droga. Como um campus federal, a área não pode sofrer nenhuma interferência estadual. Apenas a Polícia Federal ou o exército podem intervir.

Levada presa, ela não poderia ser, mas expulsa da UFBA, sim. Conscientes disso, os três se levantaram batendo em retirada.

“Vamos, vamos, saiam daqui!”, esbravejava o segurança.

Todos entraram no carro do amigo de Luana e se dirigiram à saída principal. Quando chegaram ao local, o portão estava fechado. O segurança responsável pela abertura estava imóvel, apenas olhando para o carro, sem a pretensão de fazer qualquer movimento. A mesma coisa faziam os jovens expulsos. Ninguém falava, apenas esperavam uma ação.

“Abra o portão”, disse então Luana, esperando que fosse apenas uma distração do vigia.

“Não posso”.

“Por que?”, perguntaram do carro.

“Recebi ordens para que não deixasse vocês saírem, porque a polícia está vindo”.

“Por que isso, o que foi que fizemos?”

“Vocês estavam fumando maconha”.

“Abra isso agora ou então vou ligar para meu advogado e dizer que vocês estão me mantendo em cárcere privado, e, até onde eu sei, isso é seqüestro”, disse Luana já sem paciência.

Ela tentava desqualificar o segurança de qualquer forma e queria fazê-lo entender que eles não eram criminosos, apenas usuários de drogas. Para conseguir que o portão fosse aberto, Luana usou até mesmo seus conhecimentos sobre a lei, então, recentemente modificada.

“Segundo a lei 11.343/06, artigo 28, só é considerado criminoso, passível de reclusão na cadeia, aquele que traficar. Nós somos apenas usuários. O que temos aqui é para consumo próprio. Você como segurança deveria ter conhecimento disso”.

Em grande parte, ela estava certa. Presa ela não poderia ser. A nova lei de usuários de drogas no Brasil mantém apenas três tipos de sanções. Nenhuma delas inclui prisão. A diferença entre traficar e usar vai depender da natureza da droga, da quantidade da substância que esteja em mãos do apreendido, do local e das condições em que se desenvolveu a ação. Além disso, e no caso do nosso país, principalmente por isso, depende das condições sociais e pessoais dos envolvidos, bem como da conduta e dos antecedentes dos agentes policiais.

Por isso Luana estava tão segura. O máximo que poderia sofrer era uma advertência sobre os efeitos da droga; prestar serviço à comunidade; ou uma medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. O usuário ainda pode se negar a cumprir essas penas alternativas, recebendo no máximo uma multa por desobedecer a lei.

Há alguns anos ela e os amigos poderiam ser internados à força em clínicas de reabilitação. Hoje, dispõem de mais direitos, tendo apenas que comparecer à delegacia, assinar um termo e ir embora.

O discurso só terminou depois que o portão foi aberto.

“Esse povo está errado e ainda quer ter razão...” foram as últimas palavras ouvidas pelos jovens antes de saírem em direção à rua. O inconformado segurança se viu obrigado a abrir o portão diante de argumentos tão contundentes.

Do carro, que iniciara o movimento de partida, Luana proferiu as últimas palavras, encerrando o impasse.

“Você que é ousado. Não tem valor jurídico nenhum e quer botar queixo pra cima dos outros”.


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//Continua no próximo capítulo

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

“Uso porque gosto e me dá muito prazer” - Capítulo 3


Os pais de Luana, casados há 28 anos, tiveram três filhos: uma menina com a mesma idade do casamento; um menino, de 23 anos; e Luana, com 21. A mãe, a mais velha do casal, tem 54 anos e trabalha no Diário Oficial. O pai, com 49 anos, é psicólogo e trabalha no setor de recursos humanos de um colégio conceituado de Salvador.

A filha caçula costuma dizer que eles são muito caretas e preconceituosos. O estilo tradicional dos dois vem da religião; o pai é evangélico e freqüentador assíduo da Igreja Batista. Laura absorveu a religião do marido logo que se casaram, mas ainda hoje não gosta e quase não freqüenta a igreja. Por parte do pai, Luana tem um tio e um primo que são pastores.

Apesar de não ter uma religião definida, ela costuma, uma vez ou outra, acompanhar o pai em um dos cultos. A iniciativa é muito mais para agradá-lo do que por vontade própria. Assim como a mãe o fez, Luana acha que, se tivesse que escolher uma religião, escolheria a do pai. A Bíblia é, para ela, o ensinamento de Cristo, e tudo o que está escrito, ou pelo menos quase tudo, é a absoluta verdade. O irmão já foi freqüentador assíduo da igreja, mas há algum tempo perdeu o gosto pela religião.


A pouca liberdade dispensada por Laura e Marcos acaba levando a caçula a fazer o que quer sem que os pais saibam. “Meu pai e minha mãe sempre pegam muito no meu pé. Eles não gostam que eu vá dormir fora de casa. Eu fico revoltada, porque perco vários ‘reggaes’ por causa disso. Dia de semana mesmo, eles não me deixam sair de casa para ir a nenhuma festa. Por isso, tudo que tenho que fazer, até hoje, faço escondido”.


Apesar dessa aparente rigidez, Marcos é um homem sentimental. Ele perdeu a mãe quando tinha 14 anos. Por ser muito apegado a ela, momentos ligados aos sentimentos familiares quase sempre representam choro. São datas como Dia dos Pais, das Mães e Natal, todas regadas a muitas lágrimas.


Passado o primeiro susto, aquele do dia em que a mãe descobriu maconha no armário, Luana começou a levar a coisa de uma maneira menos preocupada. Para ela, seus pais sabem que manteve o uso, já que, depois daquele primeiro flagra, a mãe encontrou a droga mais umas três vezes no guarda-roupa da filha.


“Eles vão acabar se acostumando com a idéia”, crê Luana.


Laura, apesar do aparente cansaço nessa luta, continua a resmungar, a dar conselhos e chega, até mesmo, a procurar reportagens sobre drogas e piercing – Luana tem um na língua – para que a filha leia. Mas o tom ameaçador vem diminuindo a cada nova descoberta.


“Da última vez, ela só fez perguntar: você ainda não parou?”.

A ousadia é tanta que ela cansa de chegar em casa “fumada”. Mas essa atitude não chega a comprometer sua sobriedade. Ela, muitas vezes, fuma antes de voltar da faculdade, porém não o suficiente para bater onda. Além disso, Luana procura disfarçar não falando muito.

“Chego em casa, converso e fico de boa, e ninguém fica sabendo que estou doidona”.


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// Continua no próximo capítulo

sábado, 8 de dezembro de 2007

“Uso porque gosto e me dá muito prazer” - Capítulo 2


A cena descrita acima não foi o primeiro nem o último envolvimento dela com a maconha. As drogas, tanto as ilícitas como as lícitas, há muito tempo fazem parte do dia-a-dia da jovem, que hoje tem 21 anos.

Sua relação com substâncias psicoativas não se iniciara naquela fase, mas, sim, num momento em que seu corpo começava a ganhar formas de mulher. A menina, apelidada, pelo irmão e pelos colegas, de Topo Giggio, quando criança – por conta de uma orelha de abano inexistente –, teve um começo de adolescência, digamos, rebelde. Aos 13 anos, Luana tinha pressa em virar mulher. Como as garotas de sua idade, adorava ir a festas e shows sem os pais por perto. Para conseguir tal façanha, tinha de driblar a vigilância deles, que não a deixavam freqüentar festas consideradas para adultos.

Com essa idade, ela já enchia seus pulmões de nicotina, sempre nesses ambientes festivos, onde beber e fumar são regra e não exceção. Até hoje ela não largou o cigarro, assim como o álcool, que começou a consumir nessa época. Mas não só foram experimentos maléficos à saúde que permearam as histórias de sua adolescência. Um ano depois de começar a fumar, Luana conheceu um surfista, e eles começaram a namorar. O garoto, na mesma faixa etária que a sua, lhe ensinou, dentre outras coisas, aquilo que ele amava fazer: surfar.


Tempos depois, quando já havia terminado o namoro, ela enganava os pais dizendo que ia para escola, quando, na verdade, escondia debaixo da farda uma roupa apropriada para o surf. Luana demorava de se arrumar de propósito, para que os pais ficassem atrasados e não pudessem esperá-la. Para isso, ficava no espelho só fingindo que faltava pentear o cabelo. Quando eles deixavam o apartamento, a farda era retirada, e ela seguia para a praia com o vizinho.

Mas foi na época em que namorava com o surfista que Luana teve os primeiros contatos com drogas ilícitas. Ela não sentia nenhuma vontade de experimentar, e quando o namorado usava maconha ela ficava apenas observando, olhando o que ele fazia. Aos poucos, a convivência começou a pesar e a tentação de experimentar havia se tornado irresistível. Mas ela não tinha coragem de fazer aquilo na frente de ninguém, afinal, o medo de passar algum vexame era maior do que a vontade. Para resolver essa questão ela optou por experimentar sozinha, em casa. Conseguir a erva sem que o namorado ou qualquer outra pessoa soubesse era mais um desafio. Luana conhecia apenas uma pessoa de confiança, que morava em seu bairro e que poderia lhe ceder um pouco de marijuana.

A decisão de experimentar foi tomada depois de um veraneio passado na companhia do namorado, numa praia do Litoral Norte. Logo que voltou a Salvador, já com a cannabis em mãos, ela esperou os pais saírem para trabalhar e começou a fumar. Talvez a falta de experiência não tenha deixado o efeito agir da forma esperada e aquele dia passou igual a todos os outros.

Naquela mesma época, pouco tempo depois, ela voltou à casa de praia onde havia curtido suas férias. A volta, motivada por uma festa, foi crucial para um novo contato com a erva. Luana estava bêbada, e a mistura talvez tenha potencializado o efeito. A droga finalmente desencadeou a sensação esperada. As coisas passavam lentamente pela sua vista, como num filme em câmera lenta. Suas pernas começaram a suar e a tremer. A mistura das duas drogas – maconha e álcool – a deixou enjoada. O movimento circular das imagens diante dos seus olhos levou-a a vomitar. Hoje, como ela mesma diz, “criou resistência” e nunca mais vomitou.

Com 17 anos, ela começou a comprar a droga por conta própria e para uso habitual. Até então ela só usava maconha quando estava na roda de fumo com os amigos; aproveitava que o “beck” passava de mão em mão e dava uma “bicada”. Como alguém que cresce, começa a trabalhar e compra suas próprias coisas, ela não queria mais depender de ninguém. A vontade de consumir a cannabis na hora em que bem entendesse, da forma que quisesse, a levou a optar por comprar e guardá-la em casa.

O mesmo vizinho que tinha lhe dado a “massa” para experimentar como amostra grátis pela primeira vez, agora passou a fornecê-la. Talvez uma estratégia de marketing bem pensada, dando amostras gratuitamente para, depois que o consumidor adquirisse o hábito, poder cobrar.

“Considero normal meu consumo ter aumentado. Acho que o ser humano tem uma facilidade de se acostumar muito rápido com as coisas. Hoje eu uso, porque gosto e me dá muito prazer”.

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//Continua no próximo capítulo

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

“Uso porque gosto e me dá muito prazer”


Vou publicar em série um dos perfis que compõe o meu Trabalho de Conclusão de Curso. O livro-reportagem, produzido para o fim do curso, contém quatro perfis, com histórias de jovens de classe média e alta usuários de drogas ilícitas. Esse perfil que vou expor agora foi o mais elogiado pela banca e pelas pessoas que já tiveram a oportunidade de ler o livro. Espero que também gostem.




“Uso porque gosto e me dá muito prazer”



Por Léo Marques



A fechadura recebeu a chave como de costume, girando, precisamente, de forma a atravessar todos os obstáculos pontiagudos, num espaço milimetricamente destinado a ela. A porta não estava trancada, apenas fechada, por isso a chave não precisou fazer um giro de 360°. A garota que entrava tinha acabado de voltar de um dia de sol na praia. Seus longos e lisos cabelos, de tão escuros, pareciam tingidos. Os fios ainda estavam úmidos quando ela chegou ao apartamento.

No conjunto, lembrava uma índia. Os óculos escuros, de lentes exageradas, tapavam seus grandes olhos. Estes, por sua vez, se escondiam atrás de uma lente azul. A íris artificial lhe conferia um ar sensual, refrescante e charmoso, contrastando com o tom moreno de sua pele.

Seus pais estavam sentados no sofá, à esquerda da porta que acabara de se abrir. Até então, Luana não havia notado nada de diferente no ambiente. Os passos precisos a conduziram em direção ao quarto, mas ela teve de voltar quando uma voz a chamou na sala:

“Sente aqui, precisamos conversar com você”, disse sua mãe, de forma meio contida, meio nervosa.

Sem entender qual era o motivo da conversa, a garota sentou intrigada, porém estava calma para a situação que a esperava. O sofá em que se instalou ficava em frente àquele onde seus pais estavam. Marcos, o pai, balançava o pé sistematicamente, num movimento tão repetitivo que parecia mecânico.

Sem muita paciência, Luana pedia aos pais para que adiantassem o assunto da reunião fora de hora. Ela sentia-se incomodada com os resquícios do sal marinho em seu corpo. Sua pele, ao encostar no tecido do sofá, sofria uma sensação urticante. Laura, sua mãe, foi direta na pergunta, guardada há algum tempo.

“Que história é essa de você fumar maconha?”

Luana ficou sem reação. Sem resposta. Não esperava aquela pergunta naquela hora. Mas sua mãe não havia deixado espaço para respostas e foi logo emendando:

“Me disseram que você estava usando maconha. É verdade?”

A reação foi rápida e mentirosa.

“Não, mãe, é mentira desse povo. Eu nunca fumei maconha”.

Já esperando por essa resposta, Laura tirou das costas um pacote e, tentando arrancar a verdade da filha, perguntou:

“Então me responda o que significa isso? Quando me disseram eu não acreditei, mas, quando fui vasculhar seu armário, acabei encontrando esse pacote”.

Laura tinha essa mania. Vasculhava quase sempre o armário da filha, com a desculpa de que isso era apenas uma forma de cuidado. E era. Como caçula de dois irmãos, Luana se sentia como uma criança diante do cuidado dos pais e da atenção que eles lhe dispensavam. Mas a menina, que se considera a ovelha negra da família, não contribuiu muito para que fosse diferente, já que seu comportamento atípico sempre preocupou os familiares.

Dois anos antes, quando Luana tinha apenas 16, a mãe leu um relato no diário dela. Eram aventuras de carnaval. Os textos traziam detalhes de suas primeiras experiências com lança-perfume, típica droga do carnaval de Salvador. A mãe ficou desesperada diante do envolvimento da filha com a substância psicoativa. Não sabia o que fazer, que providência tomar. Para não sofrer nenhuma sanção, Luana inventou a história de que tinha escrito aquelas coisas apenas para testá-la. Laura não acreditou muito na conversa e contestou dizendo que Luana não iria escrever uma coisa que não tivesse vivenciado. Mas a mentira continuou a ser sustentada.

Aquela mesma cena parecia se repetir na sala da casa da garota então com 18 anos: sua mãe, nervosa e brava, discursava milhares de lições sobre a moral e os bons valores. Seus pais queriam a verdade de Luana. Queriam saber por que ela estava usando maconha. Sem idéia sobre o que dizer, apenas uma justificativa lhe surgiu à cabeça.

“Eu comprei só para experimentar”.

Talvez a velocidade dos acontecimentos não a tenha deixado pensar de uma forma mais lógica. Sua mãe, já sem paciência, lhe explicitou a grande quantidade de maconha presente no saco plástico.

“E você vai experimentar tudo isso?”

Ela não teve fala. Sua língua quieta estava e assim continuou. Laura exigia respostas verdadeiras:

“Onde você conseguiu essa droga, em que boca de fumo e quem te disse onde encontrar?”

Com medo do que os pais poderiam fazer, a menina se recusou a falar. Em sua mente confusa e atordoada, seu pai e sua mãe iriam até a boca de fumo ou procurariam encrenca com alguém perigoso.

A mãe, apesar de muito abalada com a situação, não chorou, apenas tremia e esbravejava, tentando entender o que se passava com a filha. Já a reação do pai foi completamente oposta: seus olhos, cheios de lágrimas, não agüentaram a pressão. Com a voz abafada e trêmula, a mãe encerrou a discussão.

“Não entendo por que você tem essa pré-disposição a gostar de drogas...”

Os pais apenas sabiam que ela bebia e fumava cigarro, e até hoje nem sonham saber que ela usa outras drogas.

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//O perfil continua na próxima terça-feira