terça-feira, 18 de dezembro de 2007

“Uso porque gosto e me dá muito prazer” - Capítulo 4


Os anos foram passando e a adolescente virou adulta. Com a adolescência se foi boa parte do medo que Luana tinha de ser flagrada. A convivência com usuários lhe rendia bons pontos para consumo sem que ninguém a perturbasse. A área em torno da Faculdade de Jornalismo, da Universidade Federal da Bahia, é um desses pontos. Na verdade, toda a UFBA é conhecida pelo seu ambiente tolerável com relação ao uso de substâncias psicoativas. Não se sabe se essa tolerância é por opção, já que nem a polícia militar nem a civil podem intervir na área, considerada patrimônio federal.

Confiando nessa “paz”, Luana, então com 20 anos, estava lá, sentada, na beira da calçada, apenas apertando o baseado. Acompanhando-a estavam dois amigos, um homem e uma mulher. A erva triturada dava trabalho para entrar no tubo feito com seda de papel. Era como uma arma antiga, daquelas em que se coloca a pólvora no cano e a vai pressionando com uma vara. No caso, o que fazia a pressão para juntar a massa num menor espaço possível era o palito de fósforo.

O local, rodeado por floresta densa, inspirava a atitude. Parecia que ela estava numa rua deserta, sem movimento, onde um ou outro carro passava, onde um ou outro segurança circulava. Era dia, mas as nuvens tapavam a luz do sol, o que dava ao lugar um ar ainda mais bucólico, com ventos suaves, como num fim de tarde de inverno.

O cigarro que Luana estava preparando não havia nem alcançado a boca, quando sua concentração foi interrompida por um segurança revoltado. Ele pedia para que a audaciosa garota e seus amigos se retirassem do campus. Parecia que aquela cena estava ocorrendo no local pela primeira vez.

“Vocês, por favor, se retirem da Universidade”, disse o segurança.

Luana levantou contrariada. Ela não via no segurança nenhuma jurisprudência para exigir que eles se retirassem. Pela lei, apenas um policial civil ou militar poderia detê-la. Esse era o principal motivo pelo qual milhares de estudantes costumam escolher o local para relaxar sob o prazer da droga. Como um campus federal, a área não pode sofrer nenhuma interferência estadual. Apenas a Polícia Federal ou o exército podem intervir.

Levada presa, ela não poderia ser, mas expulsa da UFBA, sim. Conscientes disso, os três se levantaram batendo em retirada.

“Vamos, vamos, saiam daqui!”, esbravejava o segurança.

Todos entraram no carro do amigo de Luana e se dirigiram à saída principal. Quando chegaram ao local, o portão estava fechado. O segurança responsável pela abertura estava imóvel, apenas olhando para o carro, sem a pretensão de fazer qualquer movimento. A mesma coisa faziam os jovens expulsos. Ninguém falava, apenas esperavam uma ação.

“Abra o portão”, disse então Luana, esperando que fosse apenas uma distração do vigia.

“Não posso”.

“Por que?”, perguntaram do carro.

“Recebi ordens para que não deixasse vocês saírem, porque a polícia está vindo”.

“Por que isso, o que foi que fizemos?”

“Vocês estavam fumando maconha”.

“Abra isso agora ou então vou ligar para meu advogado e dizer que vocês estão me mantendo em cárcere privado, e, até onde eu sei, isso é seqüestro”, disse Luana já sem paciência.

Ela tentava desqualificar o segurança de qualquer forma e queria fazê-lo entender que eles não eram criminosos, apenas usuários de drogas. Para conseguir que o portão fosse aberto, Luana usou até mesmo seus conhecimentos sobre a lei, então, recentemente modificada.

“Segundo a lei 11.343/06, artigo 28, só é considerado criminoso, passível de reclusão na cadeia, aquele que traficar. Nós somos apenas usuários. O que temos aqui é para consumo próprio. Você como segurança deveria ter conhecimento disso”.

Em grande parte, ela estava certa. Presa ela não poderia ser. A nova lei de usuários de drogas no Brasil mantém apenas três tipos de sanções. Nenhuma delas inclui prisão. A diferença entre traficar e usar vai depender da natureza da droga, da quantidade da substância que esteja em mãos do apreendido, do local e das condições em que se desenvolveu a ação. Além disso, e no caso do nosso país, principalmente por isso, depende das condições sociais e pessoais dos envolvidos, bem como da conduta e dos antecedentes dos agentes policiais.

Por isso Luana estava tão segura. O máximo que poderia sofrer era uma advertência sobre os efeitos da droga; prestar serviço à comunidade; ou uma medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. O usuário ainda pode se negar a cumprir essas penas alternativas, recebendo no máximo uma multa por desobedecer a lei.

Há alguns anos ela e os amigos poderiam ser internados à força em clínicas de reabilitação. Hoje, dispõem de mais direitos, tendo apenas que comparecer à delegacia, assinar um termo e ir embora.

O discurso só terminou depois que o portão foi aberto.

“Esse povo está errado e ainda quer ter razão...” foram as últimas palavras ouvidas pelos jovens antes de saírem em direção à rua. O inconformado segurança se viu obrigado a abrir o portão diante de argumentos tão contundentes.

Do carro, que iniciara o movimento de partida, Luana proferiu as últimas palavras, encerrando o impasse.

“Você que é ousado. Não tem valor jurídico nenhum e quer botar queixo pra cima dos outros”.


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//Continua no próximo capítulo

5 comentários:

Rian disse...

Itcha Leo. Esses sao trechos do livro que você e Tita escrevam não foi. Ainda quero ler esse livro. Mas já pude notar nele, um crescimento estilístico e verbal de sua parte admiráveis. Além de uma senso de observação bem objetivo, direto e poético. Você tem grande talento para isso. Defeitos: poucos. As vezes você se precipita, ou melhor, os personagens parecem ter vida própria e você fica que meio mercê deles. Isso também é muito bom. Mas tem de ter cuidado com isso. No mais parabéns. 2008 será o ano do início da revolucão cultural brasileira. E nós jovens baianos vamo que vamo heheheheh.
Grande abraço

Escrevendoespanando.blogspot disse...

manda o qunto, tá ficando legal..

Escrevendoespanando.blogspot disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fábio Ventura disse...

Exceletentes textos. Valeu brother.

Pauliane Brito disse...

Oi,
Passei por seu blog por indicação de um amigo que nem sei mais quem foi, rsrsrs... mais a dica foi boa! Tô gostando de acompanhar o perfil de seu trabalho e os capitulos do "Uso porque gosto....". Curriosa para saber do livro/monografia completo. Parabêns e mantem a linha!!!!!! Boas festas.