Os anos foram passando e a adolescente virou adulta. Com a adolescência se foi boa parte do medo que Luana tinha de ser flagrada. A convivência com usuários lhe rendia bons pontos para consumo sem que ninguém a perturbasse. A área em torno da Faculdade de Jornalismo, da Universidade Federal da Bahia, é um desses pontos. Na verdade, toda a UFBA é conhecida pelo seu ambiente tolerável com relação ao uso de substâncias psicoativas. Não se sabe se essa tolerância é por opção, já que nem a polícia militar nem a civil podem intervir na área, considerada patrimônio federal.
Confiando nessa “paz”, Luana, então com 20 anos, estava lá, sentada, na beira da calçada, apenas apertando o baseado. Acompanhando-a estavam dois amigos, um homem e uma mulher. A erva triturada dava trabalho para entrar no tubo feito com seda de papel. Era como uma arma antiga, daquelas em que se coloca a pólvora no cano e a vai pressionando com uma vara. No caso, o que fazia a pressão para juntar a massa num menor espaço possível era o palito de fósforo.
O local, rodeado por floresta densa, inspirava a atitude. Parecia que ela estava numa rua deserta, sem movimento, onde um ou outro carro passava, onde um ou outro segurança circulava. Era dia, mas as nuvens tapavam a luz do sol, o que dava ao lugar um ar ainda mais bucólico, com ventos suaves, como num fim de tarde de inverno.
O cigarro que Luana estava preparando não havia nem alcançado a boca, quando sua concentração foi interrompida por um segurança revoltado. Ele pedia para que a audaciosa garota e seus amigos se retirassem do campus. Parecia que aquela cena estava ocorrendo no local pela primeira vez.
“Vocês, por favor, se retirem da Universidade”, disse o segurança.
Luana levantou contrariada. Ela não via no segurança nenhuma jurisprudência para exigir que eles se retirassem. Pela lei, apenas um policial civil ou militar poderia detê-la. Esse era o principal motivo pelo qual milhares de estudantes costumam escolher o local para relaxar sob o prazer da droga. Como um campus federal, a área não pode sofrer nenhuma interferência estadual. Apenas a Polícia Federal ou o exército podem intervir.
Levada presa, ela não poderia ser, mas expulsa da UFBA, sim. Conscientes disso, os três se levantaram batendo em retirada.
“Vamos, vamos, saiam daqui!”, esbravejava o segurança.
Todos entraram no carro do amigo de Luana e se dirigiram à saída principal. Quando chegaram ao local, o portão estava fechado. O segurança responsável pela abertura estava imóvel, apenas olhando para o carro, sem a pretensão de fazer qualquer movimento. A mesma coisa faziam os jovens expulsos. Ninguém falava, apenas esperavam uma ação.
“Abra o portão”, disse então Luana, esperando que fosse apenas uma distração do vigia.
“Não posso”.
“Por que?”, perguntaram do carro.
“Recebi ordens para que não deixasse vocês saírem, porque a polícia está vindo”.
“Por que isso, o que foi que fizemos?”
“Vocês estavam fumando maconha”.
“Abra isso agora ou então vou ligar para meu advogado e dizer que vocês estão me mantendo em cárcere privado, e, até onde eu sei, isso é seqüestro”, disse Luana já sem paciência.
Ela tentava desqualificar o segurança de qualquer forma e queria fazê-lo entender que eles não eram criminosos, apenas usuários de drogas. Para conseguir que o portão fosse aberto, Luana usou até mesmo seus conhecimentos sobre a lei, então, recentemente modificada.
“Segundo a lei 11.343/06, artigo 28, só é considerado criminoso, passível de reclusão na cadeia, aquele que traficar. Nós somos apenas usuários. O que temos aqui é para consumo próprio. Você como segurança deveria ter conhecimento disso”.
Em grande parte, ela estava certa. Presa ela não poderia ser. A nova lei de usuários de drogas no Brasil mantém apenas três tipos de sanções. Nenhuma delas inclui prisão. A diferença entre traficar e usar vai depender da natureza da droga, da quantidade da substância que esteja em mãos do apreendido, do local e das condições em que se desenvolveu a ação. Além disso, e no caso do nosso país, principalmente por isso, depende das condições sociais e pessoais dos envolvidos, bem como da conduta e dos antecedentes dos agentes policiais.
Por isso Luana estava tão segura. O máximo que poderia sofrer era uma advertência sobre os efeitos da droga; prestar serviço à comunidade; ou uma medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. O usuário ainda pode se negar a cumprir essas penas alternativas, recebendo no máximo uma multa por desobedecer a lei.
Há alguns anos ela e os amigos poderiam ser internados à força em clínicas de reabilitação. Hoje, dispõem de mais direitos, tendo apenas que comparecer à delegacia, assinar um termo e ir embora.
O discurso só terminou depois que o portão foi aberto.
“Esse povo está errado e ainda quer ter razão...” foram as últimas palavras ouvidas pelos jovens antes de saírem em direção à rua. O inconformado segurança se viu obrigado a abrir o portão diante de argumentos tão contundentes.
Do carro, que iniciara o movimento de partida, Luana proferiu as últimas palavras, encerrando o impasse.
“Você que é ousado. Não tem valor jurídico nenhum e quer botar queixo pra cima dos outros”.
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//Continua no próximo capítulo
5 comentários:
Itcha Leo. Esses sao trechos do livro que você e Tita escrevam não foi. Ainda quero ler esse livro. Mas já pude notar nele, um crescimento estilístico e verbal de sua parte admiráveis. Além de uma senso de observação bem objetivo, direto e poético. Você tem grande talento para isso. Defeitos: poucos. As vezes você se precipita, ou melhor, os personagens parecem ter vida própria e você fica que meio mercê deles. Isso também é muito bom. Mas tem de ter cuidado com isso. No mais parabéns. 2008 será o ano do início da revolucão cultural brasileira. E nós jovens baianos vamo que vamo heheheheh.
Grande abraço
manda o qunto, tá ficando legal..
Exceletentes textos. Valeu brother.
Oi,
Passei por seu blog por indicação de um amigo que nem sei mais quem foi, rsrsrs... mais a dica foi boa! Tô gostando de acompanhar o perfil de seu trabalho e os capitulos do "Uso porque gosto....". Curriosa para saber do livro/monografia completo. Parabêns e mantem a linha!!!!!! Boas festas.
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